num chamado "golpe de vista", alguma coisa brilhou entre as folhas. uma teia frágil a reflectir os raios de sol.
uma vez, em pequena ainda, taparam-me os olhos e levaram-me ao encontro de uma teia tecida entre duas árvores. enorme, espessa.. com uma aranha gorda e peluda bem no seu centro.
acho que foi desde aí que nasceu em mim uma repulsa visceral a esses horrendos bixos. maravilhosos fiadeiros.
Forte como o aço, delicada como a seda. Esta admirável obra é fruto do intenso trabalho de uma fiadeira incansável, mas por todos desprezada. Há tantas assim, e não são só aranhas...
Porquê elogiar a capacidade de um animal em fazer uma obra de arte que tem tanto de belo como de cruel? A vida é sempre assim: quem faz teias para que os outros tropecem nelas é vanglorizado; quem tem o azar de cair nelas é sempre o parvo de toda a cena. Louvadas sejam todas as aranhas que tecem estas armadilhas para nós nos alojarmos...
só para dizer... gostei da foto!
hj amo esta foto.
talvez porque hoje me sinto uma tiny little spider...perdido na teia que construí.
"a infinita fiadeira
(...)a aranha, aquela aranha, era tão unica: não parava de fazer teias! (...) Havia contudo um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. (...)ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
- não faço teias por instinto.
- então, faz porquê?
- faço por arte.(...)
uma aranha assim, com mania de gente? na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. pediram que ela transitasse para humna. e assim sucede: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. quem era, o que fazia?
- faço arte.
- arte?
e os humanos se entreolharam, intrigados. desconheciam o que fosse arte. em que consistia? até que um, mais-velho, se lembrou. que houvera um tempo, em tempos em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos - chamados obras de arte - tinham sido geneticamente transmutados em bichos. não se lembrava bem que bichos. aranhas, ao que parece."
mia couto - o fio de missangas
quando li este conto, um ou dois dias depois de te ter visitado aqui, foi a imagem que me chegou...a desta aranha na sua teia.
talvez ainda nos brilhos da manhã se distingam as formas humanas.
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